segunda-feira, fevereiro 16

18.06.1977





Tinham-me convidado, insistido que não faltasse, e lá fui. Ao “Jantar dos Escritores da Esquerda”, organizado “Célula dos Escritores Comunistas” no Mercado do Povo, em Belém.

Dezoito de Junho de mil novecentos e setenta e sete.

Da esquerda ou não, entre amigos, menos amigos, olás, conhecidos, desconhecidos, ilustres e menos ilustres, estavam ali tutti quanti que dum ou doutro modo tinham a ver com as Letras. Recordo Mário Dionísio, Manuel Ferreira, Jorge Reis, Isabel da Nóbrega, Eduardo Prado Coelho, José Gomes Ferreira, Baptista-Bastos, Ávaro Guerra, José Cardoso Pires...

Tirei más fotografias, ouvi isto e aquilo, com um sorriso releio algumas das anotações que fiz desse longínquo jantar.


O que o preocupava era saber em que momento iriam cantar a ‘Internacional’, porque teria de sair antes.

- Tenho de sair antes, pá, senão estou lixado! Por causa do jornal!

Inquieto, os olhos a rebolar, num sobressalto quando o Rui Nunes, agarrando-o pelo braço lhe perguntou:

- Onde é que se mija?


- "O P... quis fazer cá uma Associação dos Grandes Resistentes Anti-Fascistas. Só desistiu pelo perigo que lhe apontei de que os mal intencionados fariam logo gracinhas com as várias associações de ‘Grandes Feridos, Grandes Mutilados, grandes isto e grandes aquilo como há em França. Por isso é que a coisa não avançou. Grande pena!"


Num bom discurso Mário Dionísio falava de Alves Redol. Sentado ao meu lado, X., que só bebia água, levantou-se e, sem razão que se adivinhasse, apontando-me, interrompeu o orador com um grito:

- É nossa obrigação! Devemos! Temos de auxiliar os filhos dos nossos emigrantes! Esses valorosos obreiros que lá fora lutam para que...

Mas a conclusão não vinha e Mário Dionísio retomou o discurso.


Quase no fim, quando já se tinha bebido o bastante para esquecer o que nos juntara ali:

– As nossas Forças Armadas, com aqueles alamares, aqueles debrums, os galões dourados, e fitas, e palmas, medalhas...

- E uns naviozitos que se não são traineiras poucos lhes falta!

- Espera aí! Ao dizer Forças Armadas eu estava a pensar no Exército, só no Exército!

- Estás errado, homem! A Marinha também é Forças Armadas, muito bem assim como os paraquedistas, os comandos, a GNR...

- A GNR?

- Pois claro! E a Guarda Fiscal, o Otelo, e o outro... aquele gordo!...

- O Ernesto Lourenço?

- Não! O Ernesto é o outro! Eu digo aquele, um que...

- O Vasco?

- Exactamente.

- Mas em termos de, digamos, neste contexto, em termos de revolução...

- Ah! Você não leu Marx, não leu o Engels!...

- Não digo que li ou deixei de ler! Nem isso aqui importa. Aliás, você interrompe-me sem saber o que vai seguir!

- Diga lá.

- Pois bem, em termos de revolução...

Mas nesse momento apareceu C., muito moreno, perguntaram-lhe se vinha do Algarve.

- Do Algarve? Venho do Alentejo!

Fazendo com os dedos um V e gritando um alegre "No pasarán!", virou-nos as costas.

- Este filho da puta tem uma sorte! Vocês já viram a sueca que o gajo arranjou?