domingo, janeiro 18

"A Alice costuma avisar"

Entro e vou sentar-me junto dos outros em volta da lareira. Quatro mulheres, dois homens. A conversa interessa-os de tal modo que mal me encaram, e ao “Boas-tardes” respondem com um breve aceno.

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- Esse era o Gaspar.

- Ai não era o Júlio?

- Não. Esse era o Gaspar, o que casou com a Celeste. A mais nova.

- Mas então o Júlio..

- O Júlio é o que tinha a loja de panos.

- O que foi para Angola?

- Exactamente.

- O irmão já lá estava.

- O irmão já lá estava, e continua a estar, mas dá-se mal com o clima.

- A minha sobrinha é o contrário. Só gosta de calor. E praia. Agora anda a pensar...

- Mas então o Gaspar não foi o que esteve mal dos pulmões, e depois houve um acidente qualquer....

- Não. O Gaspar teve um cancro. Dizem que se calhar...

- E a Celeste?

- Também lá está. Mas se ele falecer volta logo, porque se dá muito mal com a pretalhada.

- A minha sobrinha também não gosta nada deles. Nem os garotos. A mais novita anda sempre a pedir... Coitadinha! É muito engraçada, aquela menina!... Ajoelha-se diante da mãe, de mãos postas, Ó mamã! Vamos embora! Ó mamã! Vamos embora!... Riem-se muito com ela!

- Quanto valerá o terreno que os Macedos têm ao pé da bomba de gasolina?

- Pelo que fica atrás da farmácia deram quinze mil e quinhentos contos. Agora...

- Quanto é isso em euros? Chega aí um papel.

- Ontem na Urgência encontrei o Sebastião com a mãe. Parece que não escapa. Querem levá-la para o Porto, mas ouvi dizer...

- Também com aquela idade!

- Seiscentos e quarenta mil e...

- Não pode ser! Dá cá o papel.

- A Alice já devia ter chegado. Será por causa do irmão?

- Ela costuma avisar. Mas hoje ainda não telefonou.

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Primeiro amodorrei. Depois, perdido nos meus pensamentos e hipnotizado pelas chamas, devo ter cabeceado. Levantei-me como quem procura qualquer coisa e saí sem ninguém dar conta.