sábado, setembro 6

Caçada (1943)

Manhã cedo, quando se aprontaram,eram mais de trinta. As sacas da merenda dum lado, botas de vinho do outro, cartucheiras, dois pares de calças de burel cada, por causa das silvas, os batedores com roçadouras.

Meu pai com duas caçadeiras, uma só com zagalotes, como se em vez da Serra de Mogadouro ali fosse a África. Enquanto “matavam o bicho” escolheram os parceiros, dividiram as encostas, marcaram os encontros e, ao abalar, ainda sem sol, iam formados como para uma guerra.

Eu, criança, fiquei com as mulheres. Dia comprido. De vez em quando, muito longe, o ribombar das descargas.

A meio da tarde apareceu o senhor Amândio, derreado, com bolhas nos pés. Os outros, disse ele, só voltariam à noite, andavam numa matança dos diabos, até um javali tinham agarrado. O bombardeio, agora para os lados do Marquinho e da Navalheira, levava minha avó a resmungar que ainda acontecia alguma desgraça, matavam alguém.

Chegaram ao anoitecer, tontos do calor, do vinho, das léguas que tinham palmilhado. O Zé Barroco à frente, vestido de coelhos e perdizes, os outros quase igual, quatro carregavam um lobo pelas patas, mais quatro traziam o javali.

Houve festa, assaram o porco montês defronte da taberna do senhor Joaquim.Comeu-se, bebeu-se, cantou-se. As peles, esfregadas com sal para a cura, foram pregadas nas portas.

No dia seguinte chegou um portador do senhor Queirós, de Carviçais, a perguntar se alguém tinha visto o cão dele, um Alsácia que às vezes se punha a monte.

E o Zé Joaquim, que o tinha matado: - E eu a pensar que era!...Por isso é que veio direito à gente! Ora esta!