quarta-feira, julho 9

Festa de casamento

Cena banal, mas cheia de humor, e que noutra altura, com disposição diferente, talvez me passasse despercebida. Mais tarde, o que depois se quer descrever: quadro, luz, personagens, gestos, sai vago e baço, truncado. Os acrescentos, os arranjos, a busca de um equilíbrio nas palavras, aumentam a distorção, carregam a banalidade. Só os olhos registam. E o momento de humor, tão breve, ao acontecer já é lembrança.
Três mulheres de idade. Paradas diante da porta como ovelhas que hesitam em atravessar um fosso. Agarrada à ombreira, arfando, a equilibrar o peso sobre o joelho, a primeira iça-se – não sobe, iça-se – sobre o degrau que separa o restaurante da sala e, dando meia volta, espera que as outras se icem também.
Dão-se os braços em apoio, vejo-as encaminhar-se para a minha mesa, o meu interesse tornado desagrado e irritação. Vozes descontroladas, meias frases, o riso desconexo, a lentidão cambaleante de quem já bebeu e se vai embebedar.
Avançam inclinadas para a frente, navios a atacar ondas imaginárias, popa ao alto, as saias repuxadas. Bustos, ventres e nádegas de dimensões alheias à magreza descarnada das pernas. Blusas de floreados e, a transparecer, cingindo mal as regueifas, o correame com que se apertaram.
Direitas a mim, como se as outras mesas, quase todas vazias, lhes fossem invisíveis. Flacidez, pregas, encorrilhas da carne que os decotes domingueiros levianamente mostram. Todas três assim, nem que tivessem combinado, ou procurando talvez a segurança que a igualdade dá. Sorriem-me. Sorrio.
Se se podiam sentar? Pois podiam, claro. Não, eu não esperava mais ninguém. Estivessem à vontade. Realmente era cedo ainda. Não, não tínhamos sido os primeiros a chegar. Mas quase. O senhor de cabelo branco? Eu não conhecia. Elas também não. E vá de rir com a grande piada.
- Importa-se? Podia chegar a mesa para este lado?
O contacto desagradável e mole da mão pousada no meu braço. Anéis a mais, pulseiras desirmanadas, um verniz das unhas do tempo da rumba.
Aproveitei para empurar discretamente a cadeira e pôr-me de través. Não fazia ideia quem fossem. Família da noiva. Talvez vizinhas.
A empregada veio com uma bandeja cheia de copos e pôs-me diante a cerveja que eu tinha pedido, a espuma a derramar.
- Olhe! Faz favor…
A velha estendeu o braço, mas a rapariga não quis ouvir, desaparecendo por entre os que chegavam, a bandeja erguida acima da cabeça, profissional e desinteressada.