terça-feira, julho 22

A cara que temos

É uma dor que vai e vem, talvez ciática, por vezes tão aguda que me impede o andar.
Jovem ainda e simpática, atenta, concentrada no que faz, a neurologista manda-me que caminhe na ponta dos pés, sobre os calcanhares, diz-me que feche os olhos e ponha os indicadores no nariz, faz aqueles testes dos reflexos com o martelinho, puxa aqui, torce acolá, raspa-me a sola dos pés, pica-me as pernas...
Como não encontra o que poderia ser a causa da mazela resolve que se terá de fazer um MRI, aparelhagem em que já noutra ocasião me vi metido. E enquanto escreve o seu relatório entrega-me um folheto com perguntas a que devo responder.
Vou lendo. Se tenho um pacemaker. Se tenho uma peça dental de fixação magnética. Se no corpo tenho bomba ou aparelho que não possa ser retirado. Se em qualquer parte do corpo tenho fragmentos de metal. Se tenho válvulas metálicas no coração. Se tenho uma prótese auditiva metálica. Se sofro de claustrofobia. Se alguma vez me foi injectado líquido contrastante. Se se deram complicações. Quantos quilos peso.
Preenchi, assino. A neurologista, sorridente, parece hesitar, diz que quer fazer ainda uma pergunta, mas…
- Diga, diga.
- O senhor, por acaso, tem balas no corpo?
- Balas? Não!
Despedimo-nos. O átrio do hospital está cheio de gente e dá-me a impressão de que um ou outro me olha de modo estranho. Balas no corpo! Será que a minha cara justifica a pergunta e aqueles olhares?