sexta-feira, julho 4

Alforges (5)

A vida do campo

“O lavrador não necessita de relógio. Regulado pelo ritmo do sol, pela terra, pelas estações do ano, a sua vida desenrola-se harmoniosamente. Ao contrário do que acontece com o citadino, a família do lavrador não inclui somente a mulher, os filhos, os pais e os primos, mas também os pomares, os prados, os animais. Ele é capaz de falar seriamente com um cão, uma vaca, um castanheiro, pois a sua sensibilidade é idêntica para uma árvore, um bicho, um parente ou um vizinho. Infelizmente, porém, a maior parte dos benefícios que saem da terra não pertencem ao lavrador. Os bancos e os intermediários exploram o seu trabalho e são eles que, finalmente, sem esforço, recebem a parte maior.”

Rafael, vinte e quatro anos, solteiro, desempregado, morador num quarto de águas-furtadas, leu duas vezes o artigo do jornal. Lavrador. Tinha a impressão de que lhe agradaria ser lavrador. Já por várias vezes tinha fantasiado como seria agradável viver no campo. A luminosidade do céu! Os cheiros!... Via-se a sair de manhã cedo, acompanhado por dois (ou três?) cães.
A mulher - supunha-se casado, sem filhos, preparava o almoço, depois de ter colhido na horta os legumes que ele cuidadosamente plantara. Tudo natural, puro, segundo as velhas leis da natureza que garantiam a saúde e a sobrevivência.Ao meio-dia regressaria a casa. A pé? A cavalo? A falar verdade a sua preferência ia para o cavalo, se pudesse ser um baio como os da polícia.
Dormiria a sesta. Depois, aí por volta das quatro da tarde, voltaria para a montanha. Se chovesse ficaria em casa, na sala, diante da lareira acesa. A mulher - era extraordinário não ser capaz de imaginar o timbre de voz que ela teria, como também ainda estava indeciso se os olhos seriam castanhos ou azuis - a mulher, pois, continuava na cozinha, agora a lavar a loiça.
Talvez lesse um bocado, os cães e os gatos (dois) estirados diante do lume. A chuva continuaria a cair grossa, mesmo depois do anoitecer, só mais tarde é que a lua banharia as vertentes com a sua luz pálida.
Fantasiava ver-se a caminho da feira numa manhã de sol, o camião carregado de ovelhas, os cães sentados ao seu lado. A seguir à venda dos animais iria ao café beber com os amigos.
Certas noites seriam de tempestade e trovão, os relâmpagos iluminando a aldeia com estranhos clarões. A mulher, assustada e a tremer, agarrava-se a ele.

Alguém batia à porta . Foi abrir. Era a Teresa, o “esqueleto” do andar de baixo que há meses o não deixava em paz, aparecendo às horas menos convenientes.
- Estavas a ler? - perguntou ela, apontando o jornal.
- Um artigo.
- Sobre quê?
Não respondeu, incomodado com aquela curiosidade, mas também porque inconscientemente detestava mulheres magras. A sua, mulher de lavrador, teria a postura da gente do campo, cheia sem ser gorda, de peitos repletos.
- De que trata? - insistiu ela.
- O quê?
- O artigo.
- Da miséria dos lavradores. É uma vergonha. O lavrador é um escravo da banca e do comércio.
- Achas?
- Acho - disse ele, irritado.
Ela sorriu e começou a despir-se.