sábado, março 3

Prefácios

Se há tarefa que, garantido, me põe de mau humor, é a de escrever prefácios. Dois, desde o princípio do ano. Ambos pelo medo de parecer grosseiro ao recusar um favor a quem tão abertamente o pede. E vá de pensar frases torneadas de modo a que as opiniões pareçam objectivas e os elogios sinceros. Esforço que resulta em dores de cabeça, raivas surdas, em pontapés no vazio e promessas solenes de nunca mais.
Um álbum de pintura. Quadros que nada me dizem, quanto mais os olho, mais nevoentas se me tornam as ideias. Sentindo-me tolo e, pior, hipócrita. Alinho frases sobre a harmonia dos coloridos do artista, a tensão que soube emprestar aos volumes, “o refinado tratamento do chiaroscuro, com reminiscências de Caravaggio e Rembrandt.”
Um livro de reportagens fotográficas. Retratos. Cenas de rua. Fotografia inexpressiva, de efeitos pretensiososos. Para não cair de desespero e frustação, apoio-me em Stieglitz, Kertész, Atget, Cartier-Bresson, ao mesmo tempo que olho de lado, involuntariamente receoso de ouvir já as gargalhadas que vão dar os que por acaso lerem as minhas asneiras.
O prefaciado, esse de certeza vai gostar. Cumprimentos, merecidos ou não, comparações com os grandes, tudo lhe será bálsamo. Virá depois citado nos anúncios e nos cartazes que evitarei olhar, para que não se reacenda a vergonha do meu fingimento.